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Baile de favela?

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É fato: toda história de superação é motivadora, faz bem para gente. Numa Olimpíada esses casos se multiplicam e todo dia tem uma história que encanta. Uma das mais recentes é a da ginasta Rebeca Andrade, que foi prata na disputa do individual geral e ouro no salto sobre o cavalo.

Criada apenas pela mãe e recentemente recuperada de cirurgias no joelho, Rebeca deixou as adversidades para trás e na disputa do individual geral encantou o mundo com uma coreografia ao som de “Baile de Favela”. Um funk chiclete do MC João – para muitos de gosto duvidoso, por fazer apologia à violência contra a mulher –, que para a Olimpíada ganhou a companhia da música clássica “Tocata e Fuga”, do alemão Johann Sebastian Bach.

Uma combinação perfeita: história de superação, mais favela (periferia) e uma ginasta negra. A primeira a conseguir tal feito numa olimpíada, aos olhos do mundo. O enredo está armado. Tudo parece certo, mas observando a certa distância – e não querendo aqui desmerecer o feito da atleta e sua importância para o esporte e a sociedade – se percebe uma armadilha.

A meu ver, o erro está em exacerbar, ou melhor, romantizar a questão da favela/periferia e suas histórias de superação. Numa favela há pessoas ótimas. Lutadoras e trabalhadoras, mas são pessoas, em sua boa parte, que só sobrevivem.

Favelas e periferias são regiões dentro das cidades que não oferecem condições de vida satisfatória, decente. Falta saneamento básico, escolas, saúde e áreas de lazer. Além de sofrer com a escalada da violência, advinda do tráfico de drogas e do crime organizado.

Há de se valorizar o que de bom existe nesses espaços, mas com equilíbrio. Quando se romantiza demais essa questão, se relativizam os problemas que existem nas favelas e periferias, que a bem da verdade não deveriam existir como existem hoje. As pessoas têm o direito de viver em espaços mais dignos e seguros.

Fazendo um recorte histórico, as favelas e periferias pobres e paupérrimas do Brasil são resquícios, herança, de um sistema escravocrata que, após a “abolição”, deixou um contingente de milhares de negros e mestiços que, sem trabalho ou instrução formal, começaram a ocupar esses espaços.

De acordo com a estimativa do IBGE, em 2019 havia 5.127.747 de domicílios ocupados em 13.151 aglomerados subnormais no país. Segundo o IBGE, conhecidos como favelas, palafitas, entre outros, os aglomerados subnormais são formas de ocupação irregular de terrenos públicos ou privados, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas que apresentam restrições à ocupação. As populações dessas comunidades vivem em condições socioeconômicas, de saneamento e de moradias precárias.

Essas comunidades estavam localizadas em 734 municípios, em todos os estados do país, incluindo o Distrito Federal. A Rocinha, no Rio, é o maior aglomerado subnormal do país, com 25.742 domicílios. Em seguida, vêm a comunidade do Sol Nascente, no Distrito Federal, com 25.441 casas; Rio das Pedras, também no Rio, com 22.509; e Paraisópolis, em São Paulo, com 19.262 domicílios em ocupações irregulares. (Fonte: IBGE/Agência Brasil)

Dá orgulho ver uma atleta brasileira se dando bem e nos representando, mas é importante também entender o contexto e desconfiar de narrativas romantizadas que falam de superação e pobreza.

Favelas, periferias e afins, muito mais do que um problema urbanístico, são um problema social excludente e estamos longe de resolvê-lo.

Seguir com o baile é fechar os olhos para essa realidade.

  • RODRIGO DIAS é jornalista e web poeta, há mais de duas décadas trabalha no mercado de comunicação. Formado em Publicidade e Propaganda, também atua como assessor de comunicação.
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