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Alimentos

Inflação dos alimentos pressiona os mais pobres; especialistas avaliam ações

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Um brasileiro vai ao mercado comprar apenas o essencial para fazer as refeições do mês mas, ao checar os preços na prateleira, não há outra opção, a não ser fazer substituições ou, até mesmo, abrir mão de certos itens, para que consiga pagar a conta no caixa. Se antes arroz, feijão, verduras e carne eram garantia na mesa, hoje são artigo de luxo para alguns, principalmente os mais pobres. Para esses, nem sempre os auxílios do governo são capazes de garantir o sustento. As informações são do Correio Brasiliense.

Entre os principais fatores que influenciam a escalada dos preços estão inflação e a taxa de juros — em constante alta desde o ano passado. A categoria de alimentos e bebidas foi uma das que sofreu maior impacto para o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) no mês de maio. A variação foi de 1,52% na prévia para inflação do mês. O custo geral da alimentação em casa acumula mais de 16% na soma dos 12 meses anteriores. Em abril, os dados apontavam que cerca de 90% dos alimentos analisados encareceram no período de um ano.

Ivania Souza, 39 anos, tem marido e três filhos, e, há três meses, se tornou avó de Levi. Moradora da Vila Planalto, perdeu o emprego em março do ano passado, e desde então tem apenas o Auxílio Brasil e o Auxílio Aluguel para manter toda a família. Pagando R$ 750 mensais em moradia, mais os gastos com gás de cozinha e internet para que os filhos consigam estudar, Ivania conta que fica com R$ 50 para lidar com as demais despesas. Ivania ainda descobriu um câncer de mama, está fazendo tratamento quimioterápico, ao passo que cuida da casa e das crianças. Mas não possui nenhuma fonte de renda. Em meio a esse cenário, a dura realidade: se alimentar fica cada vez mais difícil.

“Está sendo muito difícil comprar ao menos os alimentos. A gente compra o que dá para comprar, feijão e arroz que é o principal. E não tem como colocar na feira fruta e verdura, essas coisas… Não dá para dar preferência pra isso. Eu tô sobrevivendo mais é da ajuda das pessoas”, relatou.

Para Ivania, o apoio do governo federal é muito aquém do que deveria ser. “Antes de você receber o benefício de R$ 400 do Auxílio Brasil ainda vem uma mensagem falando pra você verificar o que tem na cozinha e nos armários: ‘compra só o essencial’. Como é que a pessoa vai comprar só o essencial se o dinheiro nem dá pra comprar nada? Nem para comprar alimento básico?”, desabafou.

A cozinheira Merian Santos, 37 anos, também sentiu o aumento dos preços. Ela mora com a mãe, o marido, o filho, a irmã e o sobrinho em Capão Comprido, e é a única que recebe salário. “Como aqui em casa só eu que trabalho, e meu marido às vezes trabalha com bico, sou eu que banco tudo. Compro remédio para minha irmã, que é tudo caro, e aí fica um peso, fica muito caro para mim, porque sou eu sozinha que banco a casa.”

Recentemente, ela quitou as dívidas do cartão de crédito, e decidiu abolir o uso dessa forma de pagamento por um tempo, mas tem passado aperto sem a possibilidade de parcelar as compras. “As coisas do jeito que estão hoje em dia, você nem come direito, nem vive direito. Porque tem que comprar roupa, comida, remédio, então está muito difícil para manter. Para a gente que não tem muita condição, fica difícil”, disse.

Em situação mais delicada está a dona de casa Edineide do Amaral da Silva, de 36 anos, que vive na ocupação de Santa Luzia, na Estrutural. Ela e o marido, vindos da Bahia, são responsáveis por três filhos. A renda vem do antigo Bolsa Família e do trabalho do homem: entrega de meio-fio, que paga às sextas-feiras, ou sábados, ou domingos.

O barraco tem geladeira, mas está praticamente vazia. “Pelo jeito vai só piorar. Eu fiz o almoço aqui hoje e o gás quase que vai embora, e eu fiz o cadastro do Prato Cheio e do (vale) Gás e não fui aprovada”, lembra. Segundo ela, Santa Luzia é um lugar esquecido pelas autoridades.

Resta montar o quebra-cabeça para fazer o dinheiro render mais, e colocar o básico na mesa. “Hoje nós comemos arroz e ovo. Fiz um pouquinho de feijão, tem farinha, mas carne e mistura acabou, e tem que dar para o fim de semana. E aí depois disso a gente vai segurando até o próximo pagamento.”

No caso de Belchior Francisco Gabriel, o fogão é a lenha, e a carne, um luxo que só é possível no restaurante comunitário. O carroceiro, também morador de Santa Luzia, não compra carne no mercado há 15 anos: os fretes e bicos como construtor de barraco não são suficientes para bancar o alimento.

“Com os fretes que eu faço, infelizmente não dá para comprar tudo que precisa. Para dizer a verdade falta muita coisa. Eu pego aquele Prato Cheio, o do gás eu não consegui. Eu peço ajuda para as pessoas. Eu comi ontem no restaurante comunitário que é R$ 1, mas eu não tenho geladeira em casa. Às vezes fico dias sem comer”, contou.

Cenário

O economista e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Felipe Queiroz, explica que o contexto atual é marcado por alta inflação, alto desemprego, e alta taxa de juros, e que esse é “o pior cenário possível”.

“O efeito disso para as famílias é a redução do poder de compra, ampliação do endividamento e aumento do desemprego. E quem sofre mais? As famílias de menor renda. Daí vem esse sufoco que elas estão enfrentando. É certo que o IPCA do ano de 2021 fechou em torno de 10% — o dobro do limite estabelecido. No entanto, há itens básicos que têm subido acima de 20%, 30%, 40% ao longo de 2021, e continuarão a subir neste ano”, ressaltou.

Em razão da combinação das três variáveis, a população com menor poder aquisitivo se vê forçada a reduzir a cesta de produtos. “Primeiro, as famílias mudam a linha, começam a comprar de outras marcas, depois alteram a cesta, substituindo os produtos e, finalmente, passam a reduzir significativamente. Porque o custo tem aumentado, os salários não estão aumentando de forma compatível, e aí nós vemos situações absurdas como as atuais: famílias indo atrás de ossos em açougues.”

André Braz, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembra que a pressão sobre os alimentos é uma das maiores. “A primeira e maior pressão fica com os transportes, e o segundo maior impacto, na alimentação. Apesar de ser o segundo maior impacto é o que mais afeta os menos favorecidos, porque as famílias de baixa renda não gastam dinheiro com gasolina, mas gastam dinheiro ou quase toda a sua renda com alimentos”, observou.

Incertezas

A alimentação deve seguir como um dos vetores da inflação ao longo de 2022, na avaliação de Braz. Isso porque o Brasil está atravessando um período de desafios causados simultaneamente por pandemia, guerra, alta na taxa de juros, crescimento tímido do PIB, encarecimento dos combustíveis e a própria inflação. “Com essas variáveis no radar, é muito difícil a gente fazer uma aposta de que o preço dos alimentos agora vai deixar de subir ou que isso vai ficar no passado”, ponderou.

A expectativa para 2023 não é otimista, já que o ano será de ajustes: “Acredito que nossa inflação ainda vai ficar longe da meta. A meta de inflação para este ano é de 3,5% e a estimativa da inflação está em torno de 8%”.

*Estagiárias sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

Especialistas avaliam medidas do governo

Enquanto o governo federal debate decretar novo estado de calamidade pública no Brasil por conta do aumento da fome, os efeitos da hiperinflação seguem a impactar a vida dos brasileiros. A medida cogitada pelo Executivo, definida pela última vez no início da pandemia, daria abertura fiscal para bancar os subsídios dos combustíveis, um dos vilões no aumento dos preços.

O economista Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acredita que o próprio governo é responsável pela alta da inflação. “Sem enfrentar as causas, precisa atuar sobre as consequências”, destacou. Dentre as possíveis políticas que poderiam ser atacadas para resolver o problema, Pochmann destacou a alta da energia elétrica, a Política de Paridade de preços de Importação (PPI) praticado pela Petrobras para calcular o valor do litro de gasolina ou diesel, e os recentes anúncios de reajuste nos preços dos planos de saúde.

“É uma indicação inequívoca de que o governo de Jair Bolsonaro não está interessado em atuar nas causas da inflação”, concluiu Pochmann, que integra o grupo de Economia do programa de governo do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, principal adversário do atual chefe do Executivo às eleições 2022.

O pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Giacomo Balbinotto indica que o problema vai além de medidas interventivas. “As medidas não têm efeito imediato. Há uma defasagem nas ações de política econômica, que levam algum tempo a serem sentidas pela população”, explicou.

Vilões

Combustíveis, alimentação, transporte são alguns dos principais vilões do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que foi de 12,13% nos últimos doze meses. A situação é pior entre as famílias com renda entre um e cinco salários mínimos de renda, que mostra que os preços subiram 12,47% no mesmo período.

Por consequência, houve um aumento substancial no número de famílias em situação de extrema pobreza inscritas no CadÚnico. Somente no Auxílio Brasil há cerca de 18 milhões de famílias que recebem o benefício de R$ 400. Reflexo de um total de 11,3 milhões de desempregados.

Balbinotto discorda da especulação de interesse do governo em manter a inflação em alta. “De uma maneira geral, nenhum governo aceita a responsabilidade da inflação. Ela impõe custos significativos para a população, principalmente de baixa renda, que tem dificuldades em manter o poder de compra e tem um acesso dificultado ao mercado de trabalho”, avaliou.

Para o período eleitoral, Balbinotto aponta que os candidatos deverão ter planos de governos elaborados tendo o combate à inflação como elemento central. “Os candidatos têm que ter propostas bastante claras sobre como combater a inflação. Quais os instrumentos utilizar e deixar claro para população que esse efeito não é imediato”, aponta.

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