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Alimentos

Da carne ao sabonete: brasileiros reduzem consumo para sobreviver à crise

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“Eu comia carne, e carne boa, de qualidade. Hoje não tem como comprar mais, o trem tá feio”. Na calçada da Rua Tupis, no centrão de Belo Horizonte, a diarista Lucimar Firmino, de 64 anos, relembrou os hábitos de consumo que ficaram na lembrança frente ao aperto provocado por uma inflação que, mesmo em desaceleração momentânea, ainda enfraquece o orçamento das famílias na hora de pagar as contas do supermercado e leva milhares à fome. As informações são do jornal O Tempo.

No momento em que conversou com a reportagem, na última quinta-feira, Lucimar, já aposentada, havia comprado um quilo de pé de frango. O corte, antes fora da lista de compras, seria a conta de no máximo dois dias para ela e os quatros filhos – todos já adultos e desempregados desde 2021 -, moradores do bairro Boa Vista, região Leste da capital. “Eu estou trabalhando ainda, com essa idade, doente, porque o dinheiro não dá. Antes eu comprava verdura, fruta toda semana, agora não dá para comprar mais. É um aperto, um sufoco”, disse ela antes de ir para uma das três faxinas que faz na semana.

O relato da idosa é uma síntese do que tem ocorrido em milhares de lares brasileiros em que as pessoas têm deixado de lado frutas, verduras, legumes, carnes e itens de higiene por falta de dinheiro para comprar. Especificamente sobre as proteínas, as vendas caíram em vários setores. Na carne bovina, dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que o consumo, neste ano, é o menor desde 1996. Na mesma linha, a ingestão de peixes retraiu 26,92% no Brasil, apontou levantamento da Embrapa Pesca e Aquicultura.

A queda também afeta o frango, que está sendo consumido em proporção reduzida em 11%, segundo um levantamento divulgado pela empresa de consultoria de mercado Kantar no final do primeiro semestre. Em movimento contrário, a empresa constatou que produtos de baixo teor nutricional como salsicha, linguiça e hambúrgueres industrializados observaram escalada acima de 20% na rotina alimentar das famílias.

No mesmo estudo também foi apurado um declínio em torno de 15% dos componentes que integram a cesta básica e nos alimentos perecíveis como frutas, legumes e verduras. Para o economista Gustavo Monteiro, que integra a equipe do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a mudança nos hábitos de consumo é um movimento esperado frente à inflação e tem maior impacto sobre as famílias mais pobres.

“As mais ricas têm uma manobra maior. São pessoas que têm muito mais coisas para cortar. Agora na família que já tem a renda mais baixa, quando ela diminui o consumo, começa a cortar coisas essenciais. Nós temos visto pessoas parando de usar gás de cozinha porque está muito caro”, exemplificou o especialista.

O exemplo citado por Gustavo também foi comprovado em uma pesquisa do Observatório Social do Petróleo, divulgada no final de agosto, apontando que a venda de gás de cozinha caiu 4,5% no primeiro semestre deste ano no Brasil, sendo o pior resultado desde 2014.

Higiene

Ainda conforme o levantamento da Kantar, os brasileiros também reduziram, em torno de 15%, o volume de compra de itens de higiene pessoal. E, como consequência, a empresa contabilizou um aumento de 9% no número de brasileiros que tomam banho sem sabonete, apenas com água. “Em uma crise, toda a população tem mudança de consumo, a gente vê isso. Mas é muito mais dramático nos domicílios de baixo rendimento”, complementou o economista do Dieese.

Malabarismo para comer e vender

Em Belo Horizonte, a queda no consumo da população foi verificada diretamente por pesquisa divulgada no início de setembro pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio MG). O estudo aponta que, em comparação ao ano passado, cerca de 60% da população afirma que está gastando menos neste ano. Apenas 14%, entretanto, garantiram que estão com consumo mais elevado.

No grupo de quem pregou a cautela está a dona de casa Flaviane Silva, de 41 anos, que tem evitado cortar produtos da cesta de compras, principalmente para manter a saúde do filho, um bebê de um ano e oito meses. “A gente compra poucas frutas, cada semana vai variando, para não deixar ele (o bebê) sem os nutrientes que ele precisa e vai pesquisando preço”, relatou após as compras em um sacolão na avenida Paraná, no Centro de BH, que tem duas alas – uma com valores mais baixos.

Apesar de morar em Raposos, na região metropolitana, ela aproveita as estadias em BH com o marido e a sogra, que compram materiais do trabalho de produção de embalagens artesanais, para garimpar promoções que não encontra na sua cidade. “A gente procura o mais barato para economizar e não cortar. Vamos variando comprando poucas frutas, verduras, para não ficar sem. Mas que está puxado, está”, reclamou a dona de casa que também limitou as compras de carnes em casa.

“Pego um peixe, uma coisa mais barata, carne em porções menores, vamos olhando o que está mais em conta”, exemplificou Flaviane. Do outro lado do balcão, o açougueiro Matheus Xavier, atuando há 10 anos em um frigorífico na rua Tupis, relata que para manter as vendas é preciso fazer um malabarismo. “Normalmente a gente já não tem argumento para poder se esquivar das reclamações. A gente tenta sempre colocar os preços que estão na promoção para o cliente, mostrar o que está em melhor preço, para conseguir efetuar a venda, porque a carne de boi de primeira está difícil de repassar para o consumidor”, afirmou à reportagem.

Xavier afirma que a salsicha, coxas de frango, moela, fígado, bifes suínos e pé de frango acabam tendo boas vendas no período de carestia dos cortes bovinos que grande parte da população se habituou a comer. “De boi, quando leva, é para cozinhar ou moído que é mais barato. O bife de boi mesmo, o contra filé a R$ 41 o quilo, não está dando”, arrematou o açougueiro.

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