Os dados, que trazem alerta para fatores de risco de doenças cardiovasculares, são de uma revisão sistemática com metanálise (método que agrega resultados de estudos independentes) feita com base em dados de 47 pesquisas com crianças e adolescentes brasileiras entre 2 e 19 anos.

Para chegar a essa seleção, foram analisados 831 artigos e incluídos aqueles que correspondiam ao objetivo de traçar a prevalência de alterações lipídicas nesse grupo. Somadas, as pesquisas abrangem dados de 62.530 voluntários, de todas as regiões do país.

Segundo Thales Rodrigues, do programa de pós-graduação em enfermagem da UFMG e um dos autores do estudo, a maior parte das pesquisas sobre o tema tem amostra regional, sem que haja um estudo mais amplo – daí a ideia de fazer uma metanálise a partir desses dados. “Com isso chegamos a uma prevalência mais aproximada [para o Brasil]”, afirma.

Rodrigues ressalva, porém, que os resultados encontrados na análise foram heterogêneos. Isso ocorreu porque parte dos estudos usava parâmetro diferente para calcular as taxas de colesterol.

A diferença levou o grupo de pesquisadores a separar os dados conforme os dois parâmetros utilizados: o da Sociedade Brasileira de Cardiologia, utilizado no Brasil, e o do National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI), órgão dos Estados Unidos.

Já no Brasil, essa avaliação ocorre quando o valor fica acima de 190 mg/dL para adultos e de 170 mg/dL para crianças e adolescentes, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a de Pediatria.

Com isso, o percentual de crianças e adolescentes no país com colesterol total alto chega a 27,47%, e o de LDL alterado, de 19,29%.

Segundo os pesquisadores, os dados reforçam a importância de saber o perfil lipídico das crianças e adolescentes para, assim, adotar medidas de controle e prevenção.

“Existem fatores que vão fazer com que crianças e adolescentes estejam mais propensas a desenvolver alterações lipídicas, como histórico familiar. O LDL e colesterol total alterado também é, na maioria das vezes, um quadro secundário à obesidade”, afirma.

Em 2018, esses índices eram de 8,9% e 4,99%, respectivamente, passando para 10,15% e 6,03% em 2022.

“Temos um aumento no sedentarismo e de hábitos alimentares inadequados, como a ingestão de alimentos ultraprocessados [como biscoitos e salgadinhos], o que faz com que essa criança tenha maior risco de desenvolver colesterol total e LDL alterados”, completa Rodrigues.

Já em crianças com obesidade e outras doenças crônicas (como síndromes nefróticas), a avaliação é indicada a partir do diagnóstico, com acompanhamento regular.

Nas demais, sem presença desses fatores, a recomendação é que a primeira avaliação ocorra entre 9 e 11 anos.

“Às vezes o paciente tem colesterol alto às custas do HDL, que é o colesterol bom. A grande questão é o LDL, o colesterol ruim”, aponta.

Em geral, a associação entre alterações nas taxas de colesterol e comorbidades, como hipertensão, obesidade e diabetes, indica maior risco de doenças cardiovasculares.

Prevenção

Para reverter esse cenário, o estudo da UFMG sugere que haja incentivo a políticas para aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras e reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados, como biscoitos, salgadinhos e refrigerantes, além de praticar atividades físicas. As medidas também são recomendadas de maneira individual.

Sonir Antonini, diretor do departamento de endocrinologia pediátrica da SBEM, lembra que, nos casos de crianças com taxas muito aumentadas de colesterol (acima de 250 mg/dL, geralmente ligado a questões genéticas e familiares), pode ser necessário também tratamento medicamentoso.

Segundo Thales Rodrigues, um dos autores do estudo, na pesquisa, foram utilizados dados de crianças e adolescentes inseridas no contexto escolar ou em comunidades e regiões de forma geral.

Estudos que trabalhavam com crianças com histórico de fatores que aumentavam as chances de ter LDL alterado (caso de comorbidades) foram excluídos.

“Isso mostra que provavelmente houve uma mudança nos comportamentos, tanto no sedentarismo quanto no consumo de alimentos ultraprocessados”, observa Rodrigues.

Dados do Estudo Nacional da Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) de 2019 mostram que o consumo de ultraprocessados entre crianças menores de cinco anos foi de 93% no país, enquanto o de frutas e verduras foi de 27,4%. O relatório mais recente, de 2022, ainda não foi divulgado.