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Pandemia

Pesquisa apura relação entre baixo nível de testosterona e agravamento da Covid

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Que a Covid-19 é uma doença multissistêmica, atacando diversos órgãos do corpo ao mesmo tempo, os médicos já sabem. Os fatores de maior risco associados à piora do quadro clínico também já foram descritos.

Um desses fatores, encontrado a partir de estudos feitos em todo o mundo, é ser do gênero masculino. Já foram investigados marcadores genéticos – homens possuem cromossomos X e Y, enquanto mulheres têm dois cromossomos X -, imunológicos -homens são mais suscetíveis a doenças infecciosas do que as mulheres, que têm maior incidência de doenças autoimunes- e metabólicos, incluindo a maior ocorrência nos homens de comorbidades em conjunto -como doenças cardíacas, diabetes, hipertensão, dentre outras.

Agora descobriu-se que o sistema endócrino (responsável pela produção de hormônios) também parece estar envolvido. A ciência ainda não sabe é quais são os mecanismos biológicos por trás dessa maior gravidade em homens, mas tudo parece estar ligado à presença do hormônio sexual masculino, a testosterona.

Um estudo ainda em andamento na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto está buscando a resposta para por que em homens com quadro agravado de Covid o nível de testosterona no sangue é menor.

Os resultados preliminares da pesquisa, coordenada pela imunologista Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, já demonstram que a baixa quantidade de testosterona é vista tanto em homens com 35 anos e quadro agravado de Covid quanto naqueles de 70 anos, que já possuem naturalmente taxas mais baixas desse hormônio.

Primeiro, os pesquisadores examinaram um banco de dados do Grupo Fleury e do Hospital Sírio-Libanês, com informações de mais de 480 mil brasileiros, dos quais 25.808 (12.677 mulheres e 13.131 homens) tinham algum diagnóstico positivo para Covid (por exame RT-PCR ou de anticorpos), e viram que os homens em geral possuem marcadores de maior risco para a doença, como colesterol alto e hiperglicemia.

Depois, coletaram amostras de sangue de cerca de 300 pacientes que foram atendidos em hospitais da região de Ribeirão Preto.

“A nossa análise do banco de dados é mais macro, como se fosse uma amostra representativa da população. Agora, com os dados dos pacientes, que inclui desde casos assintomáticos com resultado positivo para o coronavírus até internados em UTIs, estamos investigando em termos moleculares os mecanismos associados a essa baixa taxa de testosterona”, diz Cardoso.

A pesquisadora elenca duas hipóteses prováveis para o baixo nível do hormônio em homens com Covid grave.

“Uma seria que ela é de fato produzida em baixa quantidade porque a infecção ataca as glândulas [como os testículos] produtoras de testosterona. Essa é a que nós sentimos ser a menos provável. A outra é que ela é produzida normalmente, porém é consumida em excesso, talvez em uma tentativa de regular a inflamação, mas que poderia, também, aumentar a infecção do vírus nas células. É isso que queremos investigar.”

Segundo esse e outros estudos, a testosterona é um hormônio facilitador da entrada do vírus nas células, mais especificamente por estar envolvida na produção de uma enzima chamada serina protease transmembranar 2 (TMPRSS2).

Em linhas gerais, o Sars-CoV-2 infecta as células ao ligar a proteína S do Spike (ou espícula do vírus) à enzima ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2), presente em células de mucosas que revestem órgãos do aparelho respiratório, entre outros.

A TMPRSS2 é responsável por deixar a proteína S do coronavírus com um encaixe mais perfeito para a ligação com a célula -no termo médico, a clivagem da proteína.

“Ao mesmo tempo que a testosterona tem um papel anti-inflamatório que poderia ajudar a conter o processo de inflamação, na sua produção ocorre a ativação de genes responsáveis por produzir a TMPRSS2, que ajuda o vírus a entrar na célula. Acreditamos que deve haver um ajuste muito fino para impedir essa desregulação hormonal”, explica.

No final de maio, um artigo publicado na revista científica Jama (Journal of the American Medical Association) já havia demonstrado uma associação entre a baixa concentração de testosterona e maior risco de hospitalização por Covid-19.

O estudo avaliou 152 pacientes que buscaram atendimento médico entre março e maio de 2020 com sintomas de Covid. Destes, 90 eram homens, dos quais 84 foram hospitalizados.

Os pesquisadores fizeram coletas de sangue no dia de admissão no hospital e depois nos dias 3, 7, 14 e 28 após a entrada e notaram uma queda de 65,5% na taxa de testosterona dos pacientes graves e hospitalizados em comparação aos casos moderados.

Já os outros hormônios estudados, o estradiol (feminino) e o hormônio do crescimento (cuja produção está ligada aos hormônios sexuais), não sofreram alteração.

Em geral, a concentração mais baixa foi observada no terceiro dia após admissão hospitalar e esteve associada a uma piora do quadro. Já no dia 28, os níveis voltaram ao inicial.

Tendo em vista essas evidências, Cardoso afirma que o início da queda de testosterona em homens poderia ser usado como forma de diagnosticar se aquele paciente terá um quadro agravado ou não.

“Muitos pacientes buscam atendimento na fase leve ou moderada e ainda não requerem suporte ventilatório com intubação, ou seja, a Covid ainda não evoluiu para uma condição pior. Então o nosso estudo poderia contribuir para identificar esse ‘ponto de virada’, quando o paciente ainda está com a doença moderada, antes do estado grave.”

Mas Cardoso faz uma ressalva e contraindica o uso de suplementação hormonal como maneira de driblar uma piora do quadro clínico de Covid.

“Nesse momento, ainda não sabemos o papel que a suplementação de testosterona ou o tratamento com bloqueadores hormonais pode trazer, isso está sendo investigado. Até mesmo pelos motivos citados acima, de a testosterona facilitar a entrada do vírus nas células, uma suplementação pode ter o efeito contrário e piorar o quadro”, explica.

O projeto do consórcio ImunoCovid, que inclui pesquisadores de diferentes áreas de atuação da USP de Ribeirão Preto e da Universidade Federal de São Carlos, recebeu apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da USP Vida (programa criado para fazer avançar pesquisas e ações para compra de insumos para Covid-19). A expectativa é que dentro das próximas semanas os primeiros resultados sejam divulgados oficialmente pelo grupo.

 

Fonte: FolhaPress/O Tempo

Foto:  Flávio Tavares/O Tempo

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