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Saúde

Pandemia pode aumentar casos de depressão e suicídio, diz presidente da Associação de Psiquiatria

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Não bastassem as mortes e o colapso na economia, a pandemia também provoca reflexos na saúde mental das pessoas. Casos de depressão, transtorno de ansiedade e até suicídio poderão aumentar devido ao novo coronavírus, que praticamente confinou o mundo inteiro dentro de casa.

A preocupação de especialistas lança um alerta às autoridades, que ainda não têm enfrentado o problema como deveria. A análise é do presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Humberto Correa.

“Na nossa sociedade, o descaso pela saúde mental é muito maior do que em outros países”, registra o médico, que também é professor titular na UFMG e presidente das associações Brasileira e Latino-Americana de Prevenção do Suicídio.

No Brasil, algumas estatísticas atestam esse cenário. O país tem apenas um terço do número de leitos psiquiátricos por habitante recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Correa aponta para uma urgente necessidade de políticas públicas para o setor, que será muito exigido nos próximos anos com mais pessoas apresentando quadros de sofrimento mental.

Quais os reflexo deste confinamento social no campo da saúde mental?

Nós esperamos que, em termos de saúde mental, ocorra um aumento grande, nos meses e anos vindouros, dos casos de depressão, transtorno de ansiedade e uso de substâncias, por várias razões. Primeiro, apesar de a humanidade ter passado por várias situações difíceis, inclusive pandemias, é talvez o primeiro momento da história em que boa parte da população mundial esteve em isolamento social ou quarentena.

Nós temos que lembrar que o ser humano é nômade por natureza. Fixar-se em um determinado local ou região é algo relativamente recente, datando mais ou menos de 10 mil anos, com o advento da agricultura. Costumo dizer que a maior punição que o ser humano pode receber é justamente a prisão. Se ele comete um crime, será privado da liberdade de ir e vir.

Então, o isolamento social e a quarentena trazem um sofrimento psíquico muito grande, indo contra aquilo que é, digamos, do instinto básico do ser humano de ir e vir e que faz parte da Constituição de países modernos. Junto a isso, temos todas as incertezas ligadas ao que está acontecendo, com muitas informações desencontradas e fake news, e um outro aspecto que nunca podemos negligenciar: a crise econômica.

Os mais otimistas dizem que passaremos por uma recessão econômica e, para os mais pessimistas, por uma depressão econômica. Questões que aumentam o desemprego e a insegurança sobre o futuro. O somatório disso são mais quadros depressivos, mais quadros ansiosos e, outra coisa muito preocupante que tem sido observada no mundo inteiro, um aumento enorme no consumo de álcool e, possivelmente, de outras drogas.

Álcool, com certeza. Nos Estados Unidos, houve um aumento de 55% em março das vendas de bebidas alcoólicas. Por ser uma droga lícita, nós conseguimos medir rapidamente aumentos e reduções de consumo. Junto com o álcool, surgem outras drogas, não lícitas, que têm tido um crescimento de consumo neste período.

As relações sociais têm um papel preponderante no desenvolvimento do ser humano. Com a ausência do outro nos impacta e o que pode ser feito para minimizá-la em tempos de isolamento?

O termo isolamento social é muito usado, mas eu gosto de dizer que, na verdade, o que nós temos que fazer é um isolamento físico. Nós temos que ter todos os cuidados de higiene, usando a máscara e mantendo uma distância de segurança, de um a dois metros, para a outra pessoa.

Não precisamos necessariamente de distanciamento social, até porque, felizmente, boa parte da população tem acesso a formas que não são equivalentes mas substitutivas, a partir de diversas tecnologias, começando por telefone e internet.

Outra coisa importante é, diante desta situação de estresse, nós tentarmos manter, na medida do possível, estratégias pessoais e coletivas de resiliência, como fazer o mínimo de atividade física, se for seguro, estabelecer um momento de meditação, de estar sozinho consigo mesmo, e realizar o contato com outras pessoas, mesmo que seja virtual.

Tudo isso contribui para que a pessoa passe por este instante com menor sofrimento. Além disso, como tem sido recomendado por alguns governos e pela própria Organização Mundial de Saúde, tentar limitar o consumo de álcool e outras substâncias.

As mulheres seriam mais suscetíveis à depressão? Elas estariam sendo as mais afetadas?

Sim. De uma forma geral, em períodos normais, as mulheres têm mais depressão do que os homens. O que alguns estudos têm mostrado, especialmente neste período, é que elas realmente estão tendo mais estresse e ansiedade. Um dado interessante é que os jovens parecem sofrer mais do que os idosos.

É curioso pensar nisso porque o idoso é um grupo de risco. Mas quando você fala em sofrimento mental, os jovens são mais suscetíveis, provavelmente porque o idoso está mais preparado para enfrentar esse tipo de situação. Outro fato interessante que os estudos têm mostrado: passar a quarentena com crianças é um fator protetor.

As famílias ficam assoberbadas com as próprias atividades e das crianças em casa, mas, no frigir dos ovos, acaba sendo benéfico. Ainda não se sabe a razão, porque são números primários e que precisam de tempo para se entender.

Outra coisa é que as pessoas de nível socioeconô-mico mais elevado também são mais protegidas em relação às classes mais baixas. O que é fácil de entender, pois o segundo grupo fica mais exposto em situações de crise.

Em relação aos casos de suicídio, após a crise econômica na Europa, em 2008, houve um aumento nas taxas. Durante a pandemia, essa curva ascendente já vem sendo notada?

É muito difícil falar que, neste momento, vem acontecendo um aumento no número de suicídios. Mas os pesquisadores acham, sim, que teremos este crescimento no Brasil e em boa parte do mundo, por várias razões. Primeiramente, pela prevalência de doenças mentais, como depressão.

Sabemos que ter uma doença mental é um dos principais fatores de risco para o suicídio. Quase todos os suicidas tinham uma doença mental quando se mataram. Em segundo, a crise econômica. Nós já temos estudos de mais de 100 anos mostrando a associação de crise econômica e aumento de suicídios.

Nos EUA, na crise de 2007-2008, a taxa de desemprego subiu 5% e o número de suicídios, 10%. De maneira geral, para cada um 1% no aumento do desemprego, você tem um crescimento de 1.6% na taxa de suicídios de um país. O Brasil é um dos que vem tendo aumentos nesta taxa, considerando as duas últimas décadas. Em 2018, tivemos cerca de 13.500 casos. Já outros países conseguiram uma redução nestes números.

A forma como os governos lidam com esta questão da doença mental, a partir de políticas públicas, tem influenciado nestas taxas?

Exatamente. Aqui no Brasil é algo preocupante. Temos um terço do número de leitos psiquiátricos por habitante do que é recomendado pela OMS. Na nossa cidade, ainda assistimos ao fechamento de mais um hospital, que é o Galba Veloso. Ele foi fechado em março, com o argumento de que seria usado para tratar pacientes com Covid.

Mas o hospital está fechado até hoje e não se iniciou nem mesmo uma reforma para receber estes pacientes. O pico da pandemia já está passando e simplesmente fecharam um hospital. Virou um verdadeiro elefante branco, sem uso pela sociedade. Na nossa sociedade, o descaso pela saúde mental é muito maior do que em outros países.

Neste momento de pandemia, assim como temos políticas públicas para reduzir o número de mortos por Covid e tratar rapidamente as pessoas, nós deveríamos estar tendo, ao mesmo tempo, políticas públicas para cuidar do adoecimento mental da população, que vai aumentar muito nos próximos meses e anos. Infelizmente, a gente está observando o oposto.

A Associação Mineira de Psiquiatria tem feito algum trabalho de conscientização neste sentido?

A associação existe desde 1958 e é uma das mais antigas do Brasil, anterior até mesmo à Associação Brasileira de Psiquiatria. Ela sempre se pautou por uma responsabilidade social muito grande, principalmente em defesa da assistência pública de qualidade.

Neste momento, nós temos feito atividades para conscientização da população em relação às questões de adoecimento mental. Estamos também fazendo um trabalho junto ao Conselho Regional de Medicina para atendimento de médicos que estão na linha de frente.

Muitas vezes nós esquecemos do colega médico, que é muito vulnerável tanto à exposição ao coronavírus quanto aos aspectos emocionais. É uma forma de nós, psiquiatras, que não estamos na linha de frente, darmos uma contribuição.

Fonte: Por Paulo Henrique Silva –  Hoje em Dia / Foto: Imagem ilustrativa Web – Agência Brasil

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