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Pandemia

Minas planeja flexibilizar o uso de máscaras; especialistas discordam

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Secretário de Saúde havia dito que o uso obrigatório do item poderia ser não mais necessário em ambientes abertos a partir deste mês

A diminuição dos índices da Covid-19 em Minas Gerais faz uma possível volta à normalidade se tornar cada vez mais imaginada. Com o número de novos casos, internações e mortes caindo a cada dia, medidas como a flexibilização do uso de máscara de proteção individual passaram a ser avaliadas por governos em todo o mundo.

Em Minas, o governo estadual estima que vai completar a aplicação da segunda dose em todos os adultos entre novembro e dezembro. Com isso, segundo o Secretário de Estado de Saúde, Fábio Bacherreti, a previsão inicial era que o uso obrigatório de máscaras não fosse mais necessário em ambientes abertos a partir deste mês, quando pelo menos 70% da população adulta deve concluir o esquema vacinal. Atualmente, 51,10% dos moradores com mais de 18 anos tomaram as duas doses ou a dose única em Minas.

A Secretária de Estado de Saúde (SES-MG), no entanto, em resposta à reportagem, agora adota postura comedida e afirma que não existe nenhuma definição sobre o fim da obrigatoriedade do item de segurança no Estado. Em nota, a pasta informou que, caso o cronograma de entrega de doses por parte do Ministério da Saúde se mantenha, a expectativa é que o Estado adquira a chamada “imunidade de rebanho” no fim do ano. Com isso, o não uso das máscaras pode se tornar facultativo em lugares abertos, arejados, como parques, praças e ruas, “conforme experiências observadas em alguns países”.

Na cidade do Rio de Janeiro, a prefeitura estuda liberar a população do uso de máscaras parcialmente em novembro, quando 75% da população estiver com esquema vacinal completo. O item seria obrigatório apenas em hospitais e transportes públicos. No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra (PT), também avalia decretar o fim da obrigatoriedade para o uso de máscara em determinadas situações a partir de dezembro.

Porém, de acordo com especialistas, o uso do item ao menos em espaços fechados para determinados grupos (idosos, obesos, portadores de comorbidades e imunossuprimidos) será uma realidade que ainda irá persistir por muitos anos. “Não temos, por hora, um horizonte seguro para circulação sem máscaras, sobretudo para as pessoas de maior risco de contrair formas graves da doença. Além disso, não seria aconselhável abandono das máscaras por qualquer cidadão em espaços fechados, como aeroportos, aviões, ônibus e repartições”, analisa o médico infectologista Guilherme Lima, do Hospital Lifecenter.

Segundo o também infectologista, Leandro Curi, ainda é cedo para propor o abandono, uma vez que não existe o conceito de imunidade rebanho para o coronavírus. “Esse foi um termo muito utilizado no ano passado pelas autoridades, mas é uma falácia. Vimos que para a Covid, ele não funciona. Uma pessoa que já foi contaminada pode adoecer várias vezes, diferentemente de outras doenças, como a catapora. A Suécia tentou fazer essa experiência de se atingir imunidade rebanho e não deu certo, porque estamos falando de um vírus que se multiplica rapidamente e altamente infectante e letal. Não existe remédio ou outra solução que não seja a vacina aliada a máscara”, pontua.

Para o infectologista Adelino de Melo Freire, do Hospital Felício Rocho, é preciso que o número de casos por dia da doença esteja abaixo de 20 a cada 100 mil habitantes para se começar a cogitar em abandonar as máscaras. Atualmente, em Belo Horizonte, essa taxa está em 113. “Não importa se tiver 70%, 80% ou 90% da população vacinada e continuar havendo transmissão. Temos variantes, como a delta, que escapa da proteção da vacina. A verdade é que não existe um número mágico. Só não teremos transmissão comunitária quando a taxa de transmissão não representar mais riscos”, ressalta.

62% dos prefeitos querem manter uso obrigatório de máscara
Seis a cada dez gestores municipais pretendem manter o uso obrigatório da máscara mesmo com toda a população vacinada. De acordo com um levantamento realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em setembro, 62,3% dos prefeitos pretendem continuar com o item de segurança, enquanto 32,7% ainda não decidiram sobre a manutenção da obrigatoriedade. Apenas 69 (3,2%) municípios devem flexibilizar o equipamento de proteção individual. Atualmente, o uso de máscaras em locais públicos é obrigatório em 96,1% dos municípios brasileiros.

No entanto, ainda de acordo com a pesquisa, 59,6% das prefeituras não instituíram infrações para o não uso de máscaras nos locais obrigatórios. Em Belo Horizonte, o uso de máscaras em espaços públicos é obrigatório desde 22 de abril de 2020. A multa para quem não usar o item de segurança é de R$ 100. Porém, a pena começou a valer somente em julho, quando a lei foi sancionada.

Até o momento, segundo a prefeitura da capital, 425 multas foram aplicadas contra pessoas que transitavam sem o item de segurança na cidade, sendo que apenas 32 foram pagas. As demais ou foram inscritas em dívida ativa no município ou estão sendo constestadas.

De acordo com a PBH, as multas são aplicadas somente para aquelas pessoas que se recusaram a utilizar as máscaras disponibilizadas pelos fiscais ou pelos guardas municipais até mesmo durante as abordagens. No caso das pessoas em situação de rua, segundo o município, a multa é dispensada, mas o acessório é oferecido.

Em nota, a Prefeitura destacou ainda que não há previsão de dispensar o uso da máscara na cidade. “A pandemia não acabou. As equipes estão atuando em todas as regiões da capital, fazendo abordagens à população voltadas para a conscientização sobre a importância do uso do artigo cobrindo o nariz e a boca, para evitar a disseminação do Coronavírus”, pontuou.

Uso de máscaras pelo mundo 
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, diversos países têm flexibilizado a obrigatoriedade no uso de máscaras. Nos Estados Unidos, no Canadá, na China, e em alguns países europeus, como Espanha, Itália e França, desde de junho, já não é mais necessário o item em locais ao ar livre.

O último país a retirar a obrigatoriedade foi a Argentina, que na última semana deixou de exigir o uso de máscaras em espaços abertos devido à queda do número de infecções diárias pela doença. Atualmente, o país já vacinou 67% da população com ao menos uma dose e 44,44% com as duas. Nos últimos dois meses, a média móvel de mortes pela doença caiu 39% no país.

Na Nova Zelândia, o não uso de máscara também já é realidade desde o ano passado. O item é sugerido apenas no transporte público e nos aviões. No país já são permitidos, inclusive, festivais ao ar livre com pessoas sem o item de segurança.

O assunto, porém, é controverso. Há cientistas e médicos que discordam dessa orientação por julgarem ser cedo demais para as pessoas deixarem a máscara de lado, inclusive, nesses países. O infectologista, Adelino de Melo Freire, reforça que a maioria dos governos que seguiram essa medidas, voltaram atrás. Esse foi o caso dos Estados Unidos, da Austrália, da Suécia, da Hungria e da Alemanha, que em um primeiro momento permitiram a desobrigatoriedade para todos os lugares. No entanto, atualmente, esses países obrigam o uso de tapa-bocas em lugares fechados ou onde o distanciamento de 1,5m não seja viável.

“Foi precoce. Não existe um parâmetro de número de população vacinadas para que se tenha segurança ou até mesmo redução de casos. O primordial é que se tenha baixa circulação do vírus, só assim não se terá transmissão comunitária sustentável”, explica o médico.

O médico intensivista, Guilherme Lima, destaca o caso de Israel, onde a experiência da não obrigatoriedade da máscara foi um desastre. “Exemplos como de Israel são pedagógicos neste sentido. Cerca de 65% da população foi amplamente vacinada e o país suspendeu algumas das medidas preventivas como o uso de máscaras. O resultado foi uma nova onda com cerca de 10.000 novos casos/dia”, pontua.

MINIENTREVISTA
Guilherme Lima
Médico intensivista e infectologista

– Quando será possível atingir a imunidade rebanho em Minas Gerais?
É importante esclarecer o conceito de imunidade de rebanho. Quando uma doença viral se dissemina em uma população, os sobreviventes podem se tornar imunes, é o caso da gripe, do sarampo, da rubéola, da caxumba e da catapora. Mas para o coronavírus isso não é verdade, uma vez que a mesma pessoa pode adoecer mais de uma vez, comprovadamente. Logo, o conceito de imunidade de rebanho não se aplica, é uma falácia. Esse conceito, de deixar o vírus se disseminar e esperar que os sobreviventes estejam imunes e que, então, isso proteja os indivíduos restantes, não deve nunca ser confundido com efeito da vacina. A vacina é a única ferramenta eficaz e que reduz as mortes diante o coronavírus, e imuniza ativamente as pessoas para quando (e se) houver contato com o vírus o indivíduo já possua defesas e não adoeça, ou adoeça e tenha formas leves.

– Quando seria seguro, então, para não se usar mais máscaras?
Não temos, por hora, um horizonte seguro para circulação sem máscaras, sobretudo para as pessoas de maior risco para formas graves da doença (obesos, idosos, imunossuprimidos, portadores de comorbidades), há as variantes, sobretudo a Delta. O SarsCov2, assim como outros vírus respiratórios, possui enorme capacidade de se adaptar, sofrer mutações, e surgir novas variantes. Logo, enquanto o vírus estiver em circulação esse risco existe.  Para suspender a orientação do uso de máscaras, precisaríamos documentar a queda acentuada da circulação viral e por conseguinte do número de novos casos de Covid-19.

– Por que se fala tanto em um cenário seguro com 70% da população imunizada? O que esse patamar representa?
Acredita-se que com uma imunização completa de pelo menos 70% de toda a população passaríamos a ter uma baixa circulação do vírus SarsCov2. Quando chegarmos a esse grau de imunização a tendência é de forte queda na circulação do vírus, e então poderíamos discutir a circulação em espaços abertos, ao ar livre, para pessoas de boa saúde e sem comorbidades sem máscaras.

  • O Tempo
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