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Não se preocupe com as borboletas, apenas cuide do seu jardim

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Depois de dias em confinamento, amedrontado pelos efeitos do coronavírus pelo mundo, resolvi passear pelas redes sociais buscando informações sobre o assunto. Vi muitas coisas criativas e engraçadas postadas por anônimos, que possivelmente estão nas mesmas condições que eu.

Senti um pouco de otimismo por parte de alguns e um extremo pessimismo vindos de outras pessoas, que de uma forma estranha mostravam um conhecimento profundo do assunto.

Eram advogados, engenheiros, trabalhadores autônomos ou empresários, que deixavam suas mensagens como se elas fossem a mais pura verdade… E foi fácil perceber que eram mentirosos. Aprendi nos tombos da vida, que a verdade é apenas uma, mas que ela pode suportar todas e quaisquer versões criadas ou provocadas com diversas intenções.

Lembrei de um livro que marcou minha vida, escrito em 1759, que foi o primeiro e talvez único grande romance da literatura em que o otimismo é o protagonista e foi escrito pelo primeiro escritor pessimista da história: Cândido, de Voltaire. Cândido era um jovem serviçal cavalariço, pobre e humilde que teve ao seu lado o amigo tutor, o Professor Pangloss, um otimista cujo pensamento era “tudo é o melhor, porque estamos no melhor dos mundos possíveis”.

Em todo o livro, página por página, Cândido e Pangloss são alvos de um conjunto interminável de desastres, problemas, injustiças e maldades, fazendo com que Cândido, a todo momento duvidasse das afirmações do amigo Pangloss.

Por sua vez, Pangloss sempre terminava suas intervenções e ensinamentos com a frase: – “Não precisamos nos preocupar com as borboletas. Basta que cuidemos do nosso jardim!”

Durante anos pensei que a história de Cândido era uma sátira sobre a vida. Depois, comecei a pensar que me parecia muito com Cândido e quase me convenci de que eu era uma reencarnação legítima daquele personagem.

Mais recentemente, reencontrei uma pessoa de histórias passadas, que sem conhecer Cândido ou Pangloss mostrou e me ensinou tanto, que em pouco tempo me senti feliz pelo mundo em que vivo. Se hoje sou um otimista isso acontece graças a tantos pessimistas que fizeram parte da minha vida.

Desde criança, minha filha ouviu de mim, que no final “tudo dá certo”. E ela viu muita coisa dando errado. Minhas ex-esposas pensavam a mesma coisa, mas por teimosia ou fé, acredito que no final tudo deu certo, porque encontrei agora um “novo” antigo motivo para festejar.

Vivi num Brasil que teve uma presidente chamada Dilma Rousseff, que falava e agia como uma desorientada criando esperanças que nunca seriam alcançadas. Mas 50 milhões de pessoas embarcaram numa onda de consumo movida por uma economia que chegou a ser classificada como a sétima do mundo e todos estavam achando esse “o melhor dos mundos e ela a melhor das presidentes”.

E ela dizia ter tornado menos desigual uma sociedade até então um símbolo de desigualdade no mundo. Muitas outras coisas aconteceram, como a corrupção deslavada, crimes de toda ordem, desmandos políticos insuportáveis e mesmo assim, eu sempre pensava, que no final tudo daria certo.

Cândido acreditou, realmente, que a única forma de fazer as coisas darem certo era acreditar nas palavras do seu mestre, Pangloss, porque “nada dura para sempre”. Este é o melhor dos mundos, convivemos com as melhores pessoas e temos o melhor futuro possível.

A quem disseminou o fim dos tempos, o apocalipse ou a morte da humanidade, usando a pandemia como fundamento, com certeza está revendo suas afirmações. O mundo nunca assistiu ou acompanhou tantas manifestações de pura solidariedade. No Brasil, nunca pudemos assistir coisas que acontecem agora, em função de um vírus nascido num morcego chinês.

Pessoas, que não sabiam o nome de seus vizinhos, hoje não só se cumprimentam, como se ajudam, repartem tarefas, convivem e se respeitam como pessoas. Pais e filhos se encontraram de verdade e não pelas mensagens no whatsapp, vemos gente conversando com gente, agindo como gente e assim, creio mais ainda, que Pangloss estava certo: – “este é o melhor dos mundos, as melhores das pessoas e o melhor da vida”.

Histórias se fazem em livros, mas podemos começar a cria-las de verdade. Podemos fazer as melhores histórias para contar aos nossos filhos e netos e que fiquem registradas nas nossas memórias e corações.

As melhores histórias são as que cultivamos e mais uma vez, Pangloss está certo. Imagino que o otimismo assumiu o controle: talvez agora estamos realmente vivendo o melhor no melhor dos mundos possíveis. Mas, entretanto, que cada um cultive o seu jardim ao invés de se preocupar com as borboletas.

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