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Divagação sobre nada

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Vamos falar de nada. Do que não ocupa espaço e nem gera peso. Aquilo que prende o olhar no infinito à procura… De nada. Da ausência de aborrecimento. Nos dias sem rumo, o melhor é falar do nada.

Pode até não parecer, mas o nada é superfície. Delicada, é verdade, mas oferece sustentação. É lugar onde se esvazia. É lugar de construção. O nada é cinza, cor de tempestade. Lá, por vezes, epifania cai como raio.

Um bem súbito que surge ao acaso. Da despretensiosa mente vazia que por um momento preferiu se ocupar de nada. O ócio criativo é a falta do pensar lógico, em detrimento de outros sentidos. Outras conexões.

O pensar em nada é aquele instante que a cabeça fica fora d’água quando se afoga. Ao parar de se debater no fundo do rio para emergir e respirar. Nesse curto momento se vê a margem, os galhos e o barco. Percebe-se que está tudo à mão.

Com tudo tão conturbado e incerto, nunca foi tão importante pensar no nada. No nada ao redor, no nada que nada somos. E por não ser nada o nada, um nada tudo pode ser.

Como se fosse pintura abstrata, em que cada traço ganha sentido coletivo. Como no dadaísmo, juntar cacos e completar o sentido do que não era nada e agora é obra-prima.

Se refazer no silêncio da contemplação, extasiado com o raio e temendo a voz do trovão. O medo não deve ser ponto de chegada e sim de partida. O estalo da ação.

O nada e suas nuances. Alguns acham esse espaço confortável, seguro. Outros dizem que aperta, à medida que sobra. Mas o nada é feito sob medida. O que cabe em mim, não serve para você. Independente disso, somos solidários na “nadisse”.

Eu te avisei. Hoje você perdeu seu tempo. Falei de nada. Era necessário falar. Ressignificar essa coisa… Esse lugar. O nada. Ao falar de nada, tenho essa estranha sensação de leveza. De parto cesáreo; indolor. Cirúrgico.

Falar de nada nem sempre é conversa fora. Pode ser uma das formas de compreender este sentido que não se encerra na própria palavra. É algo maior e, por que não, de cada um.

Agora tento um jeito de acabar bem esse texto e não é que Sócrates – filósofo, pensador – me socorre. Roubo dele a expressão “ipse se nihil scire id unum sciat“. Que em bom português quer dizer:

Sei uma coisa: que eu nada sei.

Sentido, quando não se constrói, descobre-se nos vãos. Onde julgava-se nada acontecer. Nas ausências, também se cresce. Fruto para ser entendido só depois que amadurece.

 

  • RODRIGO DIAS é jornalista e web poeta, há mais de duas décadas trabalha no mercado de comunicação. Formado em Publicidade e Propaganda, também atua como assessor de comunicação.
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